quinta-feira, 5 de junho de 2008

Max Weber, religião e ciência.

Max Weber, sociólogo alemão falecido em 1918, foi um dos primeiros cientistas sociais importantes a levar em conta a importância da religião ou da mentalidade religiosa na configuração da economia política. O objetivo dele foi refutar a tese de Karl Marx, segundo a qual o capitalismo nascera somente da exploração do homem pelo homem.

Para Weber, o moderno sistema econômico teria sido impulsionado por uma mudança comportamental provocada pela Reforma Luterana do século 16. Ocasião quando dela emergiu a seita dos calvinistas com seu forte senso de predestinação e vocação para o trabalho.

Calvinismo e capitalismo

"Apenas acrescenta fatos a teu conhecimento (...)
Assim não estarás perdido ao deixar esse paraíso,
pois possuirás um paraíso muito maior dentro de ti,
uma felicidade muito maior"

John Milton, "Paraíso Perdido", 1665-7

Eram homens e mulheres probos. Fugiam com temor da bebida e do fausto. Tinham horror ao luxo. Até a culinária deles era insossa. Quase tudo muito cozido e sem gosto. Nada de pimentas ou aromas tentadores. Em geral, vestiam-se de preto e condenavam o teatro, as festas e demais diversões que consideravam uma concessão à luxúria. As mulheres deles, de aparência assexuada, mantinham a cara lavada e ficavam longe de um perfume ou de uma colônia.

Em questões de poupança chegavam quase à avareza. Em tudo procuravam-se contrapor-se ao liberalíssimo catolicismo romano dos tempos renascentistas, mais tolerante, senão permissivo, com as coisas boas da vida. Como compensação à sensaboria de sua vidas, promoveram a ética do trabalho como fonte da satisfação pessoal e a ele, ao trabalho e à profissão, se entregaram com energia sagrada. Eram os protestantes que, depois da revolução religiosa provocada por Lutero, mesmo separados em diversas seitas, encontram melhor abrigo no mundo germânico e anglo-saxão.

Coube a Max Weber numa obra famosa ("A ética protestante e o espírito do capitalismo", 1904-5), relacionar esse comportamento morigerado com a ascensão do capitalismo. Weber não aceitava as teses de Marx sobre a "acumulação primitiva" apresentadas no "O Capital", que denunciava a rapinagem e a espoliação dos camponeses medievais ingleses, as bases primeiras daquele modo de produção.

Para o sociólogo alemão devia-se, isto sim, era rastear-se o efeito do comportamento religioso, especialmente aquele advindo da Reforma de 1517. Nele encontrou as sementes do que denominou de o moderno "espírito do capitalismo". Não que Weber considerasse Lutero, Calvino, John Knox, e tantos outros lideres reformadores, como agentes do progresso ou tolerantes para com o lucro comercial. Muito pelo contrário. Teologicamente desejavam um retorno ao cristianismo primitivo, à prática das catacumbas, a uma vida completamente regulada pela religião e obediente a um monoteísmo fechado. Portanto estavam bem longe de celebrarem a busca do lucro, como muita gente acreditou.

Mas uma das pregações deles chamou a atenção do sociólogo: a condenação da vida monacal. Os protestantes consideravam-na um gesto egoísta. Enclausurar-se num mosteiro ou num convento e dedicar boa parte da sua existência às orações e rezas, parecia aos reformadores uma grave alienação que "afastava o homem das tarefas deste mundo." Propunham, no lugar disso, que cada um encontrasse uma vocação para o trabalho secular afim de estabelecer um vínculo firme e permanente com seu próximo, para que os princípios da solidariedade e fraternidade cristã não se reduzissem a conceitos vazios.

Os luteranos difundiram a expressão Beruf, entendida como algo bem mais do que seguir uma vocação, mas sim um plano de uma vida inteira. A alteração proposta por eles de abandonar-se a vida contemplativa trocando-a para o empenho vocacional teve efeitos duradouros nas estruturas sócio-econômicas que se seguiram. Foi ela - esta revolução ética - a principal responsável, segundo Weber, para o sucesso material dos países protestantes que, a partir do século XVII, colocaram-se na vanguarda do desenvolvimento ao engajarem toda a população no mundo produtivo e não mais o contemplativo. A Reforma e a Contra-Reforma

Enquanto a Igreja, transformando o Concilio de Trento, realizado ao longo do século 16, num fortim Contra-reformista, reagia enfatizando seu caráter anti-cientifico e inquisitorial, cujo ápice deu-se durante o julgamento de Galileu Galilei, realizado pelo Tribunal do Santo Ofício em Roma, em 1632, provocado uma cisão irreparável entre o Catolicismo e a Ciência, os protestantes, rivalizando-se em centenas de pequenas congregações adversárias, não conseguiam obstar a curiosidade dos investigadores. Ao contrário, muitas vezes as estimularam.

Em pouco tempo a Reforma não só desenhou na Europa um novo mapa religioso, cindindo a Cristandade entre católicos e protestantes, mas também separou os países cientificamente adiantados dos que ficaram mais atrasados. Ao longo dos anos, tão dramática revelou-se essa situação que o pensador espanhol Miguel de Unamuno, quando confrontado e questionado pela impressionante petrificação cientifica da Península Ibérica, toda ela católica, comparada com seus vizinhos europeus, exclamou irritado: "Deixem que eles que inventem!" A Reforma e da Contra-Reforma haviam traçado uma visível fronteira entre a disposição para o avanço científico e a indiferença para com ele.

O resultado disso hoje é que uma consulta à lista dos vencedores dos prêmios Nobel de física, de química e de medicina, indica que dos 394 prêmios concedidos, entre 1901-1992, 80, 9 % deles foram repartidos entre pesquisadores e doutores dos países de origem protestantes (EUA com 40,3%, Inglaterra com 16,2 % e Alemanha com 14,9%), cabendo aos católicos apenas 13,9% (sendo que a França, cujo estado separou-se da Igreja em 1789, responsável por 6% deles).

Esta prevenção à ciência do mundo católico é que explica porque recentemente, com o anuncio das experiências de clonagem animal feitas na Escócia, foram justamente países como a Itália, a Espanha, a Argentina e, pasmem, até a Bolívia, a ameaçarem com rigorosas penas de prisão àqueles que tentarem aventurarem-se em experimentos de clonagem, mesmo de animais. Não satisfeitos em terem perdido a corrida tecnológica, as nações católica parecem esforçar-se também por voluntariamente desertarem da revolução biogenética, revolução esta que irá dominar o mundo neste e no próximo século.

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